A testosterona é o hormônio responsável pelo desenvolvimento das características masculinas, sua produção se dá principalmente nas células de Leydig, localizadas nos testículos e em menor parte nos ovários e glândulas adrenais. Em homens esta produção varia entre 2,5-11 mg/dia, já nas mulheres esta produção é de cerca de 0,5 mg/dia, sendo a maior parte convertida em hormônios femininos pelo complexo enzimático aromatase nos tecidos adiposos (BASARIA et al, 2001).
Em 1889, o fisiologista francês Charles Edouard Brown-Sequard revelou que um extrato retirado dos testículos de animais produzia efeitos positivos na força, energia intelectual e outros fatores. Ao final de 1930 foram isolados os agentes anabólicos responsáveis pelos efeitos propostos por Brown-Sequard e, deste então, os esteróides anabólicos androgênicos tornaram-se mais disponíveis e seu uso comum tanto em atletas quanto em pacientes em condições patológicas crônicas.
Os esteróides anabólicos androgênicos (a partir de agora EAA) são hormônios sintéticos similares a testosterona, possuindo, como o próprio nome diz, tanto propriedades anabólicas, quanto androgênicas. Dentre os efeitos anabólicos destaca-se o aumento da massa muscular e retenção de nitrogênio. Nos androgênicos, encontram-se o agravamento da voz, o crescimento de pêlos, agressividade e outros.
Diferentes tipos de EAA (anabolizantes)
Através de manipulações moleculares pode-se alterar a estrutura das ligações bioquímicas da testosterona gerando diversas substâncias, com diferentes efeitos anabólicos e androgênicos. De acordo com BASARIA et al (2001) os anabolizantes podem ser divididos em três classes:
- Classe A – possuem cadeias de carbono mais longas sendo, portanto, mais solúveis em lipídeos. São muito usados em injeções intramusculares oleosas. Esta variação tem menor polaridade, sendo absorvida de forma mais lenta (exemplo: proprianato de testosterona, cipionato de testosterona e enantanato de testosterona)
- Classe B – sofrem 17-α-alquelação para dificultar sua degradação pelo fígado quando ingeridos oralmente, tornado-se mais lesivos, como a Metiltestosterona.
- Classe C – sofrem modificações nos anéis A, B ou C, como a mesterolona, também usados na forma oral.
- Classe AC – híbrido as classes A e C, ex: Deca-durabolin e Durbolin.
- Classe BC – misto das classes B e C, ex: Winstrol e Anavar.
Comprimidos X Injeções.
Ambas as formas podem ser perigosas e não é recomendável o uso indiscriminado. Porém as formas injetáveis são fisiologicamente menos agressivas por dois motivos. Em primeiro lugar, são liberadas mais lentamente para a corrente sangüínea, desta forma ao se injetar 50 mg de EAA em forma oleosa este volume pode ser liberado gradativamente ao longo de uma semana, o que traria uma quantidade de pouco mais que 7 mg ao dia. Já a ingestão de 50 mg de EAA em forma de comprimidos faria com que todo conteúdo chegasse à corrente sangüínea simultaneamente, obrigando o corpo a metabolizar uma maior quantidade de hormônio.
Em segundo lugar, os anabolizantes injetáveis realizam apenas uma passagem pelo fígado, enquanto os comprimidos passam duas vezes por este órgão, tendo dupla possibilidade de exercer sua toxicidade, lembrando que há exceções como o Undecanoato de Testosterona, que realiza apenas uma passagem. Além disso, os esteróides orais geralmente passam por processos químicos, com o objetivo de evitar sua degeneração e aumentar seu tempo de vida (ex: a 17- α-alquelação), os quais também aumentam exponencialmente sua toxidade ao fígado.
Entretanto o uso de EAA injetáveis traz riscos não encontrados na forma oral. Os mais comuns são devido à própria forma de administração: a injeção. Há muitos casos graves onde usuários reutilizam ou compartilham seringas, expondo-se a doenças graves como infecções e AIDS. Podem ocorrer lesões teciduais irreversíveis, levando a necrose e mutilações, fato que tem sido notado com maior freqüência em indivíduos que pretendem, de forma ignorante, obter efeitos localizados. Também há risco de se atingirem terminações nervosas e vasos, quando a aplicação é feita por pessoas inexperientes.
Como atuam:
Ø Mecanismo direto
A cadeia de reações dos EAA inicia-se após a administração (por comprimidos ou injeções), quando a substância cai na circulação sangüínea e suas moléculas penetram na célula. Dentro da célula, o EAA se liga a um receptor androgênico. Somente após esta ligação a "dupla" começa a trabalhar, ficando em atividade por apenas algumas horas. Ativado, o receptor migra para o núcleo celular e se encontra com outro receptor, este conjunto (dois receptores mais uma molécula de EAA) se une a determinadas regiões do DNA, e alguns genes começam a produção de RNAm, que traz a mensagem para a síntese de proteínas. (ver Aminoácidos). Após o fim da reação, os receptores se separam e voltam a inatividade.
A atuação pelos receptores certamente é a mais conhecida, porém temos somente uma pequena quantidade dessas moléculas, de modo que doses muito elevadas de EAA facilmente os saturariam. Todavia, vê-se na prática um aumento do efeito anabólico concomitante ao aumento na dose das drogas, mesmo quando o limiar de saturação dos receptores já foi ultrapassado. Esta resposta anabólica se deve aos mecanismos indiretos.
Ø Mecanismos indiretos
Efeito anti-catabólico
Os receptores androgêncios (AR) e os de glucorticóides (GR) são bastante semelhantes, de forma que a testosterona (e os EAA) tem grande afinidade pelo GR (DANHAIVE et al, 1986; DANHAIVE et al, 1988). Sendo assim, os EAA acabam por competir com hormônios catabólicos (como o cortisol) pelos receptores, diminuindo a atuação dos últimos e conseqüentemente gerando um efeito anticatabólico. Além desta competição, supõe-se também que os esteróides anabolizantes interfiram na produção de glicorticóides em níveis genéticos (HICKSON et al, 1990).
Eixo IGF1-/Testosterona
Segundo esta hipótese, os andrógenos estimulam a produção local de IGF-1, independente de seus níveis sistêmicos e da liberação de Hormônio do Crescimento, além de diminuir a concentração de IGFBP-4 (URBAN et al, 1995).
Regulação do gene miostatina
Como vimos em outra ocasião a miostatina é um gene que regula negativamente o crescimento muscular, desta forma uma diminuição na expressão de miostatina também poderia ser um mecanismo pelo qual os EAA mediam o anabolismo.
Células satélites
Uma hipótese bem verificada e pouco conhecida é ativação de células satélites, JOUBERT participou de três estudos neste sentido. Em um deles, a administração de testosterona em ratos produziu hipertrofia acompanhada pela proliferação de células satélites nos três primeiros dias de tratamento, com aumento no número de núcleos no segundo e terceiro dia. Ao final do 30º dia o número de mionucleos era 80% maior que o inicial (JOUBERT et al, 1989). Em um estudo posterior foi observado o período de "puberdade" dos ratos e verificou-se que nos machos ocorre aumento no número de células satélites poucos dias após o pico de testosterona, seguido da multiplicação de mionúcleos, com aumento maior que 50% (JOUBERT et al, 1994). As suposições destes dois estudos foram confirmadas em 1995, em um pesquisa onde a aplicação de testosterona causou proliferação de células satélites em pouco mais de um dia, com subseqüente aumento da quantidade de mionucleos (JOUBERT et al, 1995). Mais recentemente esta hipótese foi levantada por KADI et al (1999), que estudou atletas de levantamento de peso usuários de esteróides.
Por que funciona com umas pessoas e outras não?
Apesar ser comum encontrar afirmações sobre a existência de vários tipos de receptores, somente um Receptor Androgênico foi identificado até o momento. Ou seja, não há variações quanto a tipos de receptores, o que varia é somente sua quantidade, com isso aquela velha história de “eu tenho receptores para Deca e ele para Winstrol” cai por terra.
Outra antiga crença que também se verifica infundada é sobre a especificidade dos receptores, antes se defendia que o receptor de uma determinada droga era responsável pelos seus efeitos ou que havia um receptor para cada efeito. Porém, como só existe um tipo de receptor ao qual se ligam todos os EAA, a variedade de resultados deve-se a conversão em seus metabólitos ou à afinidade relativa do EAA ao receptor.
Como, então, algumas pessoas têm mais efeitos com determinada droga? Ao atuar em nosso corpo o EAA pode sofrer a interferência de diversos fatores, regulados pela atividade de proteínas específicas (receptores, enzimas...). A presença das proteínas reguladoras que direcionem um determinado caminho metabólico provavelmente é responsável pela afinidade por uma determinada droga.
Por que se ganha pouco com a repetição de ciclos e perde-se muito ao final de cada ciclo?
Não existem evidências científicas (in vivo, em seres humanos não castrados) que o uso contínuo de esteróides possa prejudicar o número de receptores, através da diminuição de sua produção. Uma possível explicação é que nosso corpo tente manter o equilíbrio, por exemplo, através de menor liberação de Testosterona e maior de Cortisol, por isso a ocorrência da atrofia testicular, da gripe chata e a incômoda perda de peso ao final dos ciclos. Não se descarta a hipótese de diminuição de sensibilidade de receptores e não seria surpresa se realmente aparecessem provas da diminuição na sua produção. Porém este efeito provavelmente é de curto prazo e em alguns dias desaparecerá, dada a transitoriedade na regulação do turnover protéico (o processo de degradação e produção de proteínas ocorre em poucas horas, ninguém terá exatamente os mesmo receptores a vida toda). Além dos receptores, existem algumas enzimas que podem ser importantes neste processo, quer para o bem, quer para o mal e o uso contínuo de EAA fará com que seu corpo perceba o excesso, trabalhando no sentido de restabelecer o equilíbrio, afinal de contas o ganho excessivo de massa muscular não é muito funcional.
Uma hipótese que vem sendo muito sugerida é a limitação genética para o ganho de massa muscular, em conjunto com a máxima “quanto menos treinado, mais treinável”, ou seja, quanto maior você estiver, mais difícil será para crescer e, mesmo que você cresça, será mais difícil notar diferença.
Considerações finais.
Entende-se que a atuação dos EAA é um processo que envolve diversas etapas e a evolução de cada uma delas determinará a magnitude do resultado final, portanto é impossível prever qual será o resultado de um ciclo e mesmo se o resultado se repetirá. Ou seja, copiar ciclos da internet ou fazer um que deu certo com outra pessoa, não é uma opção muito inteligente. Na verdade, tomar EAA sem o acompanhamento de um especialista já é, por si só, uma atitude reprovável.
Para se ter sucesso em qualquer fase do treinamento, independente do que você estiver fazendo, há dois fatores exógenos que são de grande importância para o seu sucesso: treino e dieta. O primeiro, aumentando o número de receptores (KADI, 2000; LU et al, 1997) e potencializando os resultados; o segundo, fornecendo o material para o anabolismo. Lembre-se por mais que você tenha experiência prática, as idéias de um profissional competente (frise este adjetivo, ele é essencial) inevitavelmente vão lhe ajudar.
Referências Bibliográficas
1. BASARIA S; WAHLSTROM JT; DOBS AS. Anabolic-Andronenig Steroid Therapy In The Treatment Of Chronic Diseases. J Clin Endocrinol Metab 86:5108-5117, 2001.
2. DANHAIVE PA, ROUSSEAU GG. Binding of glucocorticoid antagonists to androgen and glucocorticoid hormone receptors in rat skeletal muscle. J Steroid Biochem 24:481–487, 1986
3. DANHAIVE PA, ROUSSEAU GG. Evidence for sex-dependent anabolic response to androgenic steroids mediated by muscle glucocorticoid receptors in the rat. J Steroid Biochem 29:575–581, 1988
4. HICKSON RC, CZERWINSKI SM, FALDUTO MT, YOUNG AP. Glucocorticoid antagonism by exercise and androgenic-anabolic steroids. Med Sci Sports Exerc 22:331–340 virus (HIV-1) infection. Br J Nutr 75:129–138, 1990
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10. LU Y; TONG Q; HE L The effect of exercise on the androgen receptor binding capacity and the level of testosterone in the skeletal muscle. Chung Kuo Ying Yung Sheng Li Hsueh Tsa Chih, 1997 Aug, 13:3, 198-201
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Paulo Gentil
07/12/2003
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sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Esteróides anabólicos androgênicos - funcionamento
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