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domingo, 21 de março de 2010

Dúvidas sobre reabilitação no joelho

É muito comum durante a atividade profissional do professor de educação física, o encontro com atletas profissionais ou recreativos, não-atletas praticantes de exercícios físicos regulares e mesmo pessoas sedentárias, que no decorrer de suas atividades esportivas ou cotidianas apresentem problemas articulares, sendo as lesões na articulação do joelho provavelmente as mais comuns.
O intuito deste texto é desmistificar alguns conceitos no que diz respeito à reabilitação da articulação do joelho e fundamentar o programa de exercícios para pessoas com este tipo de comprometimento.


Porque o joelho sofre tantas lesões
O joelho é uma articulação do tipo sinovial (gínglimo), de movimento uniaxial, apresentando movimento de flexão, extensão e alguma rotação. Além de apresentar uma variedade de movimentos pequena, o joelho é responsável pelo suporte de grande parte de nosso peso corporal (SPENCE, 1991), o que possivelmente é o principal motivo para a grande incidência de problemas nesta articulação.


Uma das primeiras justificativas que pessoas desinformadas usam para condenar certos exercícios são as chamadas forças compressivas na articulação tibiofemoral (forças de contato entre o fêmur e a tíbia) e a tensão correlata gerada nos ligamentos cruzados anterior e posterior.
ZHENG, FLEISIG, ESCAMILLA & BARRENTINE, realizaram um estudo para analisar as forças internas no joelho durante exercícios de cadeia cinética aberta (cadeira extensora), e cadeia cinética fechada (leg press e agachamento). Os resultados foram os seguintes:


 
Pico de força compressiva tibiofemoral
Pico de tensão no ligamento cruzado posterior
Pico de tensão no ligamento cruzado anterior
Agachamento
3134 N*
1868 N*
Não significativa
Leg press
3155 N*
1866 N*
Não significativa
Cadeira extensora
3285 N*
959 N*
142 N*

Foi encontrado que a força compressiva tibiofemoral durante o legpress e o agachamento aumenta conforme se aumenta o ângulo de flexão; já na cadeira extensora, a força compressiva aumenta conforme se diminui o ângulo de flexão. A tensão no ligamento cruzado anterior aumenta à medida que se aumenta a extensão do joelho; a tensão no ligamento cruzado posterior, por sua vez, aumenta à medida que se aumenta a flexão do joelho.
É notável na tabela acima o fato de que, em exercícios de cadeia cinética fechada, as forças compressivas são significantemente menores, do que em exercícios de cadeia cinética aberta. Além disto, em se tratando de ligamento cruzado anterior, a tabela nos revela que exercícios de cadeia cinética fechada, nem chegam a manifestar tensão significativa. Para o ligamento cruzado posterior, a cadeira extensora (cadeia cinética aberta), foi a que gerou a menor tensão encontrada.
Estudos anteriores a este encontraram valores diferentes para os três exercícios propostos, entretanto foram mais simplistas, e levaram em consideração um número menor de fatores correlacionados ao problema, residindo nesse fato à explicação dos valores serem diferentes, levando provavelmente a um grande erro de interpretação.

Angulação de trabalho
Uma recomendação bastante comum em relação à amplitude de trabalho a ser seguida durante a reabilitação do joelho, afirmando-se que é mais interessante trabalhar com pequenas amplitudes. Será isto realmente verdade?
A amplitude de trabalho esta ligada ao nível de esforço realizado pela musculatura, logo para pequenas amplitudes, é natural que mais carga seja adicionada, visando oferecer um nível de tensão maior para a musculatura.

Estudo realizado por NIETZEL, KERNOZEK & DAVIES comparou, em sujeitos que passaram por reconstrução de ligamento cruzado anterior, o membro lesado com o membro não lesado em ângulos de trabalho de 30º, 60º e 90º durante o agachamento. Este trabalho nos mostra que em amplitudes menores de trabalho, e com cargas relativamente maiores, o membro não lesado tinha participação muito maior durante o exercício do que o membro lesado, e a força de tensão gerada no ligamento cruzado anterior é maior do que em amplitudes maiores.

Em uma amplitude pequena de trabalho, o membro são poderia se encarregar do esforço sozinho por não necessitar da participação do membro lesado, deixando então de atuar diretamente sobre a funcionalidade desta articulação. Como a carga de trabalho tende a ser maior, mesmo com uma amplitude pequena, a tensão gerada dentro da articulação é normalmente maior.

É necessário se considerar o aumento da amplitude de trabalho do membro lesado, reabilitando-o assim para sua melhor segurança e funcionalidade, evitando o quadro de dor e/ou crepitação. Boa estratégia para isto seria o uso de exercícios unilaterais, e que estimulassem a propriocepção e aumento de força no membro mais necessitado.

Propriocepção
Segundo FLECK & KRAEMER, o comprimento e a tensão nos músculos e tendões são continuamente monitorados por receptores sensitivos internos, chamados de proprioceptores.
Uma boa visão da finalidade dos proprioceptores nos é dada por FARINATTI: "são órgãos sensoriais localizados em músculos, tendões, articulações e ligamentos, captando informações a serem transmitidas ao sistema nervoso central acerca dos fenômenos ocorridos naquelas estruturas, contribuindo para que a todo o momento tenhamos a noção exata de nossa posição em relação ao ambiente que nos cerca e das posições relativas entre os segmentos corporais". Os proprioceptores apresentam então a função de localizar nosso corpo no todo e entre seus segmentos no espaço tempo, cuidando e preservando sua funcionalidade.

Em uma articulação lesada, existe um comprometimento proprioceptivo, comprometendo a produção de força. URBACH & AWISZUS, compararam a produção de força do quadríceps femoral de forma voluntária e através de eletroestimulação, e conferiram que existe uma grande diferença na produção de força entre as duas formas de contração.

Podemos inferir que o problema não é apenas aumentar a força do membro lesado, mas também re-ensinar ao membro a melhor forma de desenvolver força, para realizar suas atividades de vida diária com a mesma funcionalidade. Para isto podemos nos valer do uso de espelhos, exercícios unilaterais, educativos para diversos gestos motores específicos (como caminhar, subir um degrau e agachar), entre outras possibilidades que nos venham à mente. Desta forma, ajustes na propriocepção do membro permitiriam um maior controle e monitoramento por parte do sistema nervoso central, influenciando na segurança do treino.

Co-contração
A cadeira extensora e o agachamento são eficientes exercícios para o fortalecimento do quadríceps femoral, algo a ser buscado na reabilitação do joelho. Além das diferenças básicas entre estes dois exercícios já citadas (forças compressivas e propriocepção), existe outro ponto a favor do agachamento; a co-contração muscular em torno da articulação do joelho (ROSS & SOUTHARD, 2001).
De maneira mais evidente que na cadeira extensora, durante o agachamento, músculos que aparentemente não entrariam em ação na execução do movimento como os posteriores da coxa, atuam para estabilizar a articulação, minimizando o estresse. A co-contração atuaria como um recurso de segurança a mais a ser ofertado durante o processo de reabilitação do joelho.

Vasto lateral x vasto medial
Ainda há quem afirme haver uma diferença no balanceamento de força entre o vasto lateral e o vasto medial, influenciaria negativamente no processo de reabilitação do joelho, e tendo em vista este fato inverídico, certos exercícios deveriam priorizar o fortalecimento de um ou outro destes músculos.
Pesquisa realizada no departamento de exercício e ciência do esporte da universidade de Miami comparou a atividade elétrica de ambos músculos (vasto lateral e medial), durante o agachamento e a extensão de pernas.

Como conclusão, este estudo apontou não existir diferença eletromiográfica na atividade entre estes dois músculos, em intensidade relativas semelhantes.
Também deve ser citado sobre este estudo, que os pesquisadores notaram uma atividade elétrica muscular maior durante o agachamento do que durante a extensão de pernas, apontando para este exercício como a escolha mais lógica para um processo de fortalecimento.

Considerações finais
Alguns importantes pontos a respeito da reabilitação da articulação do joelho foram aqui expostos, e todos apontam para pontos basicamente comuns. A amplitude de trabalho deve ser sempre a maior possível evitando, entretanto a sensação de dor por parte do sujeito envolvido. Deve ser feita uma análise da seleção dos exercícios aplicados, de acordo com cada caso e tipo de lesão encontrada.
Deve-se tratar o joelho não isoladamente, mas sim no contexto do todo, de forma natural e reeducativa para que o indivíduo seja treinado para realizar suas atividades cotidianas de forma ótima.

Referência bibliográfica
(1) SPENCE, Alexander P., anatomia humana básica. Manole, 1991.
(2) ZHENG, Naiquan; FLEISIG, Glenn S.; ESCAMILLA, Rafael F.; BARRENTINE, Steven W.; an analytical model of the knee for estimation of internal forces during exercises. Journal of biomechanics, Nº 31, pp. 963-967, 1998.
(3) NIETZEL, Jennifer A.; KERNOZEK, Thomas W.; DAVIES, George J.; loading response following anterior cruciate ligament reconstruction during the parallel squat exercise. Clinical biomechanics Nº 17, pp. 551-554, 2002.
(4) URBACH, D.; AWISZUS, F.; impaired ability of voluntary quadriceps activation bilaterally interferes with function testing after knee injuries. A twitch interpolation study. Int. j. sports med., Nº23, pp. 231-236, 2002.
(5) FARINATTI, Paulo de Tarso Veras; MONTEIRO, Wallace David; fisiologia e avaliação funcional, editora sprint, 2000.
(6) ROSS, Michael; SOUTHARD, Teresa; modifying quadriceps-strengthening exercises in anterior cruciate ligament-deficient athletes. Strength and conditioning journal, VOL. 23, Nº 4, pp. 58-60, 2001.
(7) SIGNORILE, Joseph; WEBER, Brad; ROLL, Brad; CARUSO, John; LOWENSTEYN, Ilka; and PERRY, Arlette. An electromyographical comparison of the squat and knee extension exercises. Journal of strength and conditioning research, 1994, 8(3); 178-183.
(8) FLECK, Steven & KRAEMER, Willian. Fundamentos do treinamento de força muscular, ed. Artmed. 1999.

Autor:  
Vandeir Gonçalves
20/12/2003

Fonte: www.gease.pro.br 

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