Whey protein é o nome em inglês para a proteína do soro do leite. Apesar de defensor de nossa língua, tenho que admitir que o nome em inglês é um pouco mais comercial que lactalbumina ou proteína do soro do leite coalhado. É interessante notar que apesar do marketing em torno da lactalbumina (whey) ser relativamente recente, ela é conhecida há bastante tempo.
O leite possui duas proteínas primárias: caseína (80%) e lactalbumina (20%). No processo de produção do queijo ocorre a separação do coalho e do soro do leite. Este soro do leite é então processado e purificado até que reste essencialmente o seu concentrado protéico. O processo de obtenção do concentrado protéico pode gerar dois tipos de lactalbumina:
- Isolada - aquece-se o soro do leite para matar os microorganismos, em seguida mistura-o a um combinado químico ao qual só as moléculas protéicas podem se unir, todas as moléculas (lactose, gordura, proteína desnaturada...) que não se uniram à celulose são descartadas. O composto restante é então lavado em uma solução salina que remove as cadeias de celulose, em seguida a solução é filtrada de modo a restar somente a proteína pura. Isto faz com que o isolado de proteína tenha 90 a 95% de pureza, com pouca ou nenhuma quantidade de lactose, gordura e proteína desnaturada.
- Concentrada - após o aquecimento do soro do leite, ele é filtrado em uma superfície que retém apenas a proteína e a gordura, eliminando grande parte da lactose e da água, por não envolver processos químicos artificiais, este método é mais natural, mas em compensação fornece uma menor concentração de proteína pura (25-89%), com quantidades de gordura, lactose e minerais mais significativas que a forma isolada.
Outro processo pelo qual a lactalbumina passa é a hidrolização, daí vem o nome hydrolized whey protein, o que em bom português significa que molécula da proteína do soro do leite coalho foi quebrada em partículas menores na presença de água. Esta quebra em partículas menores tem a finalidade de melhorar a digestão e absorção do composto.
Comparada com as outras fontes de proteínas conhecidas, a obtida do soro do leite é realmente superior, conforme mostra a tabela abaixo:
Tipos de proteínas | PDCAAS | AAS | PER | BV |
Lactalbumina | 1.00 | 1.14 | 3.2 | 100 |
Ovo | 1.00 | 1.21 | 3.8 | 88-100 |
Caseína | 1.00 | 1.00 | 2.5 | 80 |
Proteína de soja concentrada | 0.99 | 0.99 | 2.2 | 74 |
Proteína da carne | 0.92 | 0.94 | 2.9 | 80 |
Canned Kidney Beans | 0.68 | NA* | NA* | 49 |
Wheat Glúten | 0.25 | 0.47 | NA* | 54 |
[Comparação dos valores de digestibilidade corrigida pelo valor dos aminoácidos (PDCAAS), taxa de eficiência protéica (PER), valor biolóico (BV) e valor de aminoácidos (AAS) entre diferentes tipo de proteína. Fonte: http://www.wheyoflife.org/facts/proteinchart.html]
Porém todo este entusiasmo comercial ao redor da proteína do soro do leite não significa necessariamente que ela proporcione as melhores respostas fisiológicas em nosso complexo sistema metabólico.
Como já vimos no artigo Ingestão de proteínas, não se deve atribuir à suplementação de proteína o milagre de potencializar a hipertrofia ou o ganho de força, assim sendo, consideraremos que o aspecto quantitativo esteja definido e não nos preocuparemos com "quanto tomar". Nesse caso poderemos nos preocupar com o aspecto qualitativo das proteínas, a pergunta é: quais as vantagens de utilizar proteína do soro do leite (whey) ao invés de nossa fonte normal?
Ao exaltar as qualidades da proteína do soro do leite os fabricantes fazem parecer que esta fonte de proteína é ideal e que preferencialmente você deve ingeri-la ao invés das proteínas menos nobres, como a caseína e a carne. Porém, além da vantagem para o bolso de quem vende, não se pode verificar grandes benefícios com a ingestão freqüente de lactalbumina.
O fato de ter uma digestibilidade maior e fornecer picos de níveis de aminoácidos mais elevados e rápidos, parece muito interessante dentro de uma perspectiva simplista, mas também pode ser contraproducente na dinâmica fisiológica. Como vimos no artigo Alimentação pulsátil de proteína nosso corpo tende a aumentar sua taxa de degradação à medida que a oferta de nutriente aumenta.
Na Universidade de Londres foi realizado um estudo comparando os efeitos da ingestão de lactalbumina com a de caseína. De fato a proteína do soro leva menos tempo para realizar o trânsito gastrointestinal e fornece um pico de aminoácidos mais rápido. Ao final de 100 minutos havia mais aminoácidos no sangue das pessoas que ingeriam lactalbumina. Passados 300 minutos os níveis de aminoácidos permaneceram elevados com a caseína, porém já haviam retornado aos valores basais em pessoas que ingeriam lactalbumina. Ou seja, com o whey o aumento da aminocidemia é rápido, elevado e transitório, isto levou a um maior estímulo da síntese protéica sem alterar o catabolismo e elevou consideravelmente a taxa de oxidação. Já com a caseína o aumento foi mais lento, suave e contínuo, causando ligeiro aumento da síntese e oxidação protéica, com redução do catabolismo. O saldo final foi um melhor resultado para o grupo que ingeriu caseína (BOIRIE et al, 1997).
A interpretação deste resultado é a seguinte: para que gerar um aumento tão abrupto nos seus níveis de aminoácidos se seu corpo não vai "dar conta do recado"? A resposta fisiológica à proteína do soro do leite é uma faca de dois gumes: aumenta o anabolismo, mas aumenta também a oxidação sem alterar o catabolismo. No final das contas acaba sendo melhor ingerir a boa, velha e, principalmente, barata caseína.
Um detalhe é que este estudo foi feito em repouso e sua aplicação é essencialmente para as pessoas que andam para todos os lados com seu shake de whey, ou melhor, com sua batida protéica à base de lactalbumina, substituindo ou incluindo ela em suas refeições diárias. Nesse caso, as potenciais vantagens do suplemento acabam se transformando em desvantagens. Outra prática sem fundamentação convincente é ingerir estes suplementos no café da manhã, acreditando-se haver uma janela de oportunidade, que ainda não foi verificada, o que existe pela manhã é um alto indicie de catabolismo, gerado pelo jejum prolongado, que poderá ser revertido com extrema facilidade através de uma refeição a base de carboidratos, tendo em vista o efeito antagônico que a insulina exerce no cortisol.
Porém no caso de refeições pós-treino a situação se altera um pouco, pois há um pico de síntese protéica algumas horas após o treino. Neste sentido, pode ser interessante elevar sua aminoacidemia para fornecer matéria-prima ao processo de construção tecidual, nesse caso, sim, a proteína do soro do leite poderia ser interessante. Cuidado para não interpretar a informação de maneira extrema, não está sendo dito que caso você não ingira proteína seu corpo será incapaz de anabolizar, apenas sugere-se que uma maior disponibilidade de aminoácidos poderá ajudar.
Concluindo, ingerir constantemente proteína do soro do leite ao longo do dia não oferecerá nenhuma vantagem adicional, podendo até ser fisiologicamente prejudicial, além do obvio prejuízo econômico. Mais uma vez está claro que sairia muito mais barato e seria muito mais seguro contratar um bom nutricionista do que confiar em pessoas gananciosas e torrar dinheiro em suplementos "milagrosos".
Referência bibliográfica
BOIRIE Y, DANGIN M, GACHON P, VASSON MP, MAUBOIS JL, BEAUFRERE B. Slow and fast dietary proteins differently modulate postprandial protein accretion. Proc Natl Acad Sci U S A. 1997 Dec 23;94(26):14930-5.
Paulo Gentil
04/02/2003
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